DOAÇÃO DE PATRIMÔNIO PÚBLICO A UM PARTICULAR

Um gestor público não possui a titularidade do bem, mas é unicamente o detentor provisório do poder de gestão.

Por: Dr. Lauriston Ribeiro
Advogado

Não muito raro os Tribunais de Contas de todo o país recebem consultas dos gestores referentes à possibilidade ou não de doação de certos bens públicos ao particular. As respostas, quase sempre, trazem em seu bojo a informação da necessidade do gestor atentar-se aos ditames do artigo 37 da Carta Democrática de 1988, bem como ao quanto determina a lei de licitações, pautando-se pelo princípio da indisponibilidade dos bens públicos e seus corolários da inalienabilidade e impenhorabilidade.

Nos preclaros ensinamentos do grande Hely Lopes Meireles “ A legalidade, como princípio de administração( CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e à exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso”.

Deixa claro o mesmo administrativista que os atos da administração devem impreterivelmente ser condicionados ao princípio da legalidade, ou seja, a lei vertente aplicada ao caso. Prevalece, assim, o velho ensinamento de que na gestão particular é licito fazer-se tudo que a lei não proíbe, enquanto que na pública só se é permitido fazer-se o que a lei autoriza.

Na administração pública, pois, não há liberdade nem vontade pessoal e tal desiderato deve, também, ser seguido no caso de doações dos bens públicos. Urge dizer que deve sempre prevalece o respeito aos princípios esculpidos no artigo 37 da Constituição, dentre eles o da legalidade, impessoalidade e moralidade.

Pois bem.

Orientam os Tribunais de Contas que no caso de doação do patrimônio público ao particular a mesma regra se impõe e com agravantes ditados pela lei n° 8.666/93, que, em todo o seu texto normativo, sujeitam-se as claras normas da Carta Constitucional, especialmente ao seu artigo 37.

Atente-se, deste modo, ao que determina o citado Art. 37:

“ Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

Note-se que de uma leitura simples do dispositivo em referência ver-se cristalino que a administração deve em todo que realiza ser obediente e ter com norte a moralidade e a impessoalidade, ou seja, os atos administrativos não possuem rosto, crença ou cor, mas principalmente devem ser expedidos em conformidade com princípios éticos aceitáveis socialmente, com correção de atitudes, visando o interesse do povo e do bem comum. O ato administrativo, assim, não deve obediência apenas à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição.

Neste esteio e sendo mais específica, preconiza a lei n° 8.666/93:

“Artigo 3°. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos

Artigo 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I- quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

Parágrafo 4°.A doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado.”

Imperioso dizer, em ato continuo, que a alienação do bem público deve ser precedida de alguns requisitos legais que, como dito linhas revoltas, necessitam obedecer aos princípios da legalidade e moralidade, veja-se: Primeiro, qualquer bem público antes de ser alienado deve, necessariamente, ser avaliado. Segundo, previamente, o interesse da administração na alienação deve ser justificado no processo administrativo. Terceiro, em sendo o bem público imóvel, exigirá lei especifica autorizando a alienação. É a chamada autorização legislativa.

Por oportuno, também, por estreita ligação com o tema posto, trazemos a colação as determinações da Lei Federal n° 6.766/79 que impede a alteração ou modificação da área objeto da doação e que já estão incorporadas ao patrimônio público.

Veja-se o teor do art. 22 da Lei Federal 6.766/79:

“art. 22. Desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo”

Deste modo, a alienação do bem público deve seguir os estritos requisitos impostos na lei de licitações, como dito. Acrescente-se, por outro lado, que conforme artigo 22 da lei n° 6.766/79, o loteador não pode modificar a destinação anterior dada ao bem, já que no momento em que o loteamento é registrado tais bens passam a ser bem público de uso comum do povo, o gestor público, em qualquer esfera do Poder, em igual forma, também não pode fazê-lo, já que a população tem direito à sua fruição.

A comunidade, como se sabe, é que detém a titularidade do bem comum, cabendo ao Poder Público a guarda, a administração e a fiscalização, atuando com zelo ao artigo 37 da carta Constitucional.

Veja-se, aliás, o que diz o grande Paulo Affonso Leme Machado:

“Retirou-se de modo expresso o poder dispositivo do loteador sobre as praças, as vias e outros espaços livres de uso comum (art. 17 da Lei 6.766/79), mas, de modo implícito, vedou-se a livre disposição desses bens pelo município. Este só teria a liberdade de escolha, isto é, só poderia agir discricionariamente nas áreas do loteamento que desapropriasse e naquelas que recebeu a título gratuito. Do contrário, estaria o município se transformando em município-loteador através de verdadeiro confisco de áreas, pois receberia as áreas para uma finalidade e, depois, a seu talante as destinaria para outros fins.”.

O que é importante notar é que a referida lei Federal impôs ao administrador Público o dever de respeitar os pressupostos exigidos pela lei de licitações para alienação do bem público e, por outro lado, vedou a doação ou alienação de qualquer bem público que já tenha destinação específica no registro de imóveis, mesmo com autorização legislativa, posto pertencerem ao bem comum.

Não se pode assim esquecer que a administração pública deve obediência a destinação imposta pelo registro, não lhe permitindo dar outra utilidade as áreas que estejam previamente destinadas por força da inscrição do loteamento no Registro de Imóveis, já que , a partir deste, passaram a integrar o patrimônio público.

Posto isto, resta dizer que a violação às regras e princípios legais impostos, tipifica conduta ilegal e dilapidatária do patrimônio público. A ausência do procedimento licitatório, consoante o artigo 3° da lei n° 8.666/93, transcrito alhures, fere, também, os princípios constitucionais da administração, impostos ao administrador, em qualquer esfera do Poder.

A lei n° 8.429/92, que regulamenta os atos ímprobos, nesta seta, prescreve em seu artigo 2º que “reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior“.

A Carta Constitucional, por outro lado, determina que “atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos públicos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em leis, sem prejuízo da ação penal cabível” (art. 37).

Ver-se claro que a doação do bem público ao particular em dissonância aos preceitos legais pode levar o administrador a cometer atos de improbidade administrativa, nas precisas regras do artigo 10, III, da Lei n° 8.429/92: doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio público, sem a observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie.

Tem-se que a atual fase democrática do país, em sua concepção estritamente legal, exige uma transparência e um controle social na administração do patrimônio público, uma boa aplicação e respeito aos princípios esculpidos no artigo 37 da Constituição, bem como atenção devida aos preceitos da lei de licitações, por se tratar de um bem de todos, uma coisa pública. O gestor, deste modo, não possui a titularidade do bem, mas unicamente é o detentor provisório do poder de gestão e, para tanto, ao doar o patrimônio público ao particular, deve, necessariamente, obedecer aos princípios e normas legais para a prática deste mister.

Do http://www.portalsertaonoticias.com.br/portal

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